Material Didático:

 

Autoras: Evellyn Caroliny e Michely Alvarenga             

 

Tema da Aula: A Redenção de Cam e racismo no Brasil.

 

Objetivos da Aula: Propiciar uma reflexão sobre os elementos estéticos que compõem a obra A Redenção de Cam, além de descrever o percurso que associou a penalidade de Cam à cor da pele. Contextualizar e explicitar alguns mecanismos do racismo por meio de um panorama histórico-social.

 

Roteiro:

  1. Dividir a sala em 3 grupos (aprox. 10 min.);
  2. Apresentar o quadro A Redenção de Cam e entregar 1 pergunta diferente para cada grupo sobre o quadro (Aprox. 10 min.);
  3. Apresentação oral das respostas para a turma, acompanhada de diálogo (Aprox. 20 min.);
  4. Entregar 3 ou 4 imagens selecionadas para cada grupo e pedir para que colem no século correspondente que estará  no quadro (dividido em Gênesis, Idade Média, Século XVI, XVII, XVIII, XIX e XX) (aprox. 20 min.);
  5. Apresentar o percurso histórico de associação entre os descendentes de Cam e a população negra com base nas imagens coladas (aprox. 20 min.).

 

 

 

 Recursos Didáticos/ Estratégias de Ensino:

 

Partindo da perspectiva dialógica de Paulo Freire (2013),  a aula não pode ficar restrita a uma mera narrativa feita pelo professor na intenção de “depositar” em seus alunos o conteúdo. Tendo isso em vista, nossa aula foi pensada visando um maior protagonismo dos estudantes. Propor que eles discutam em grupos e reconstruam o percurso associativo pretendido visa fazer com que eles participem ativamente da construção desse conhecimento. Fazer com que, também em grupo, discutam sobre os elementos estéticos que compõem o quadro A Redenção de Cam,  compartilhando suas impressões com a sala, implica o reconhecimento da dialogicidade como elemento essencial.

 

Conteúdo:

 

Tatiana Lotierzo (2013) aponta que a passagem bíblica de Gênesis, referente ao pecado de Cam, foi amplamente utilizada para justificar a escravidão, transformando-a numa espécie de penalidade para um crime ancestral. Desse modo, a autora defende que existe um caminho por meio do qual se associou essa penalidade de Cam à cor da pele, e consequentemente à ideia de raça.

O crime cometido por Cam pode ser interpretado, segundo Lotierzo, como a difamação da imagem paterna por meio da revelação da nudez, uma demonstração da natureza corpórea da autoridade. Segundo a tradição bíblica, a roupa serviria como diferenciação moral entre homem e animal, a nudez estaria então associada ao primitivo.

Lotierzo mobiliza para sua argumentação Isidoro Sevilha que propõe a divisão do mundo entre os filhos de Noé: Ásia seria o reino de Sem; Europa o reino de Iafet e a África seria o reino de Cam. A associação do continente Africano à Cam, condenado a servir seus irmãos, é muito simbólica.

 Inicialmente, o silenciamento presente na passagem bíblica sobre a cor da pele serviria aos argumentos em favor da escravização dos demais povos, como indígenas por exemplo. Lotierzo menciona  Manuel da Nóbrega em uma passagem que associa a descendência de Cam ao gentio, que aparece aqui como o não-cristão, na figura de um indígena.

Paralelamente às explicações que associam a cor da pele com o castigo divino, há argumentos que tentam explicar as diferenças de cor como resultado de fenômenos naturais (climáticos e internos ao corpo). Esses argumentos também associaram-se à interpretação bíblica defendendo que a cor da pele seria explicada pela incidência solar sobre os descendentes de Cam e Canaã após sua mudança para África.

Assim, a autora cita Antônio Vieira que colocava o clima como responsável pela cor da tez, não a maldição. Em contrapartida, ele defende que a escravidão seria um caminho para a superação da condição negra. Aí existe a sugestão, como aponta Lotierzo, de um caráter passageiro da negritude, indicativo de que ela deveria ser superada. O batismo e a conversão aparecem em correlação ao branqueamento, já que nessa lógica existe uma coincidência entre a pele branca e o cristianismo (instaurando uma oposição entre a pele negra e os valores cristãos). Dessa forma, aparece a insinuação de que os atributos morais estão estampados no corpo, associando características morais negativas à pele negra, referência à imoralidade inata dos descendentes de Cam. Outras interpretações procuravam encontrar na África uma qualidade primitiva, uma certa animalidade. A imagem de Cam passa a remeter, além da escravidão, alusões a uma sexualidade incontida ou tabu, um problema moral que indicava a degeneração aos olhos do ocidente.

O século XVIII foi marcado pela tentativa de localizar no próprio corpo a origem da pele negra. A pele branca passou a ser vista como natural e a negra aparece então como uma degeneração, uma moléstia hereditária. Desse modo, adentra-se o século XIX com a vinculação entre pele negra e imoralidade transformando-se na ideia de degeneração.

Em Portugal e na Espanha, devido ao grande número de não-brancos, a raça adquire o sentido de qualidade de sangue. Aparece como um desdobramento das noções de origem e geração. Abrevia uma preocupação genealógica, referente aos estatutos de nobreza e pureza de sangue. A pureza de sangue era vista como status, determinava posições sociais. Tornar-se branco era uma espécie de regeneração social e racial em uma sociedade na qual era permitido o casamento interracial e que apresentava, por consequência, uma população de mestiços. Neste ponto de vista, a escravidão era colocada em xeque uma vez que, seguindo essa lógica, um dia todos deixariam de ser negros, podendo tornar-se livres. “A ideia de redenção milenar cede espaço à de redenção futura” (LOTIERZO, Tatiana, 2013).

Já no Brasil, algumas vertentes do abolicionismo defendiam que a abolição deveria ser gradual junto à introdução de estrangeiros, outras defendiam que os africanos de nascença deveriam permanecer escravos, enquanto os negros nascidos no Brasil deveriam ser libertos (algumas vertentes argumentavam até mesmo em favor da devolução de negros à África). Não estava colocada qualquer preocupação política voltada para a integração dos libertos pós-abolição, devido à visão de que a lei dos casamentos interraciais, aliada a natureza seria responsável pela assimilação dessa população liberta.

Com a publicação de A Origem das Espécies (1859), escrito por Darwin, propagam-se teorias que fazem uso do seu conceito de evolução para justificar a lógica de um imperialismo europeu. Esses debates consideravam que a figuração racial de um povo determinava o destino da nação. Dessa forma, atualizavam antigas imagens a respeito dos africanos, mas a partir de um marco conceitual reformulado: Preserva-se a ideia do branqueamento, mas sua compreensão se inscreve no marco da seleção natural e social.

Após o fim da escravidão destacam-se os debates em torno das possibilidades de embranquecimento. Um desses expoentes é Nina Rodrigues que defendia os perfis psicológicos resultantes da miscigenação como degenerações, mas isso sem descartar a possibilidade de que alguns consigam atingir o estado de civilização dos brancos. Já João Batista Lacerda apresentou confiança em um futuro branco da nação brasileira, ele via a mestiçagem como solução para o país. Seu plano envolvia extinguir a população negra,  uma figura problemática fadada ao desaparecimento, segundo ele.

 

Sugestões das estudantes após a apresentação em sala

 

A linha do tempo do plano de aula inicialmente proposto iria contemplar até o século XX, mas os apontamentos das colegas da turma após a apresentação nos levaram a considerar abordar também o século XXI em uma aula posterior .

 

Materiais

  • Fita Adesiva
  • Imagens selecionadas impressas
  • Perguntas impressas
  • Quadro

 

Referências Bibliográficas

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 1ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.

LOTIERZO, Tatiana H. P.Contornos do (in)visível: A redenção de Cam, racismo e estética na pintura brasileira do último oitocentos, 2013.

 

 

Anexos:

 

Perguntas sobre os elementos estéticos do quadro:[1]

 

  1. Quais as cores compõem o quadro e como elas se relacionam?
  2. Quais elementos (objetos, pessoas, etc) estão retratados no quadro? Descreva brevemente o que você vê.
  3. O que as pessoas retratadas estão fazendo? Descreva brevemente suas posições e gestos.

 

 

Imagens/Trechos utilizados para a linha do tempo:

 

  1. “E os filhos de Noé, que da arca saíram, foram Sem, Cam e Jafé; e Cam é o pai de Canaã.

Estes três foram os filhos de Noé; e destes se povoou toda a terra.

E começou Noé a ser lavrador da terra, e plantou uma vinha.

E bebeu do vinho, e embebedou-se; e descobriu-se no meio de sua tenda.

E viu Cão, o pai de Canaã, a nudez do seu pai, e fê-lo saber a ambos seus irmãos no lado de fora.

Então tomaram Sem e Jafé uma capa, e puseram-na sobre ambos os seus ombros, e indo virados para trás, cobriram a nudez do seu pai, e os seus rostos estavam virados, de maneira que não viram a nudez do seu pai.

E despertou Noé do seu vinho, e soube o que seu filho menor lhe fizera.

E disse: Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos seus irmãos.

E disse: Bendito seja o Senhor Deus de Sem; e seja-lhe Canaã por servo.

Alargue Deus a Jafé, e habite nas tendas de Sem; e seja-lhe Canaã por servo.”

 

  1. “Lhes veio por maldição de seus avós, porque estes cremos serem descendentes de Cam, filho de Noé, que descobriu as vergonhas de seu pai bêbado, e em maldição e por isso, ficaram nus e tem outras mais misérias. Os outros gentios, por serem descendentes de Sem e Jafete, era razão, por serem filhos de bênção, terem mais vantagem.”

 

 

  1. “Assim, a Mãe de Deus antevendo esta vossa fé, esta vossa piedade, esta vossa devoção, vos escolheu de entre tantos outros de tantas e tão diferentes nações, e vos trouxe ao grêmio da Igreja, para que lá [na África] como vossos pais, vos não perdêsseis. E cá [no Brasil] como filhos seus, vos salvásseis. Este é o maior e mais universal milagre de quantos faz cada dia, e tem feito por seus devotos a Senhora do Rosário [...] Oh, se a gente preta tirada das brenhas de sua Etiópia, e passada ao Brasil, conhecera bem quanto deve a Deus, e a sua Santíssima Mãe por este que pode parecer desterro, cativeiro e desgraça, e não é senão milagre e grande milagre.”

 

  1. "Um branco e um negro geram um mulato. O mulato une-se então a um negro ou branco, e com isso formam mais duas variantes chamadas mestiços. Esses mestiços de brancos, então, unem-se a mestiços de negros, ou brancos, ou mulatos; e assim, são tantos os ramos em que se desdobram tais cruzamentos, que se torna difícil distingui-los com designações exatas, embora sejam facilmente identificáveis em geral pelos seus tons de pele. A raça português de origem foi por tal forma degradada que ser um Branco, isto é, um branco de verdade, tornou-se um título honorífico."

 

  1. "Tomou-se um fragmento da pele de um mouro (termo usado pela enciclopédia), deixando-o submerso em uma solução de álcool etílico para tentar descolori-lo. Diante do sucesso do experimento, o autor concluía que a pele é naturalmente branca, mas no caso dos negros, ela recobre uma membrana de cor escura, chamada Malphigi. Uma vez removida tal película, a epiderme tornava-se igual a de um europeu."

 

  1. "Vemos todos os dias a raça de negro e mulato extinguir-se em quatro gerações, e no fim delas todos vem a ser portugueses."

 

 

 

  1. "A seleção sexual continua, aperfeiçoando-se sempre ao subjugar o atavismo e ao purgar os descendentes dos mestiços de todos os traços característicos do negro. Graças a esse procedimento de redução étnica, é lógico supor que, no espaço de um novo século, os mestiços desaparecerão do Brasil, fato que coincidirá com a extinção paralela da raça negra entre nós."

 

Legendas:

 

  1. Gênesis 9:18-27.
  2. Isidoro de Sevilha (560-632). Livro Etymologiae - Mapa T em O.
  3. Manuel de Nóbrega (1517 - 1570). Diálogo sobre a conversão de um gentio.
  4. Antônio Vieira (1608 - 1697). Sermão XIV à Irmandade dos Negros do Rosário da Bahia.
  5. Antônio Ribeiro Sanches (1699-1783).
  6. Johann Heirich Zedler (1706-1751). Universal-Lexiconn (1735).
  7. John Trusler (1735- 1820).
  8. Quadro do livro Evolucionismo Cultural de Celso Castro - recapitulação de Morgan (1877)
  9. Conferência de Berlim (1885).
  10. Modesto Brocos (1852 - 1936) - A Redenção de Cam (1895).
  11. João Batista Lacerda (1846-1915). I Congresso a Internacional das Raças (1911).
  12. Udo J. Keppler (cartunista). “From the Cape to Cairo” (1902).
  13. Desembarque de imigrantes no porto de Santos, (1907).
  14. Segundo Congresso Internacional de Eugenia (1921).

 

 

 

[1] A quantidade de questões varia conforme o número de grupos em que a sala será dividida, para mais do que três grupos é necessário criar outras questões que abordem outros elementos do quadro.

 

Falta a gente escrever a aula e no final falar sobre a possibilidade de fazer o século XXI.

 

Massa dms vei!! Pode deixar que eu termino o plano vc fez muito! Topp

 

Dei uma arrumada na parte da metodologia, agora só falta mesmo o século XXI. Vamos ver também o que o Dimitrov fala na segunda.

 

Como eu tinha falado, vou aproveitar um pedaço do texto da aula do Elefante e adequar para aula da matéria. Se vc puder/quiser fazer o século XXI seria top